sábado, 4 de agosto de 2018

Santa Teresa, o choro, e... Eu

Nasci  e me criei em Santa Teresa. Este Bairro cresceu originariamente no Século XVIII à partir do convento de Santa Teresa,que era uma Santa poetisa. Deve ser por isso que o Bairro de Santa Teresa era tradicionalmente um Bairro de artistas, intelectuais e acadêmicos que eram atraídos pelas características históricas, culturais, pela qualidade de vida que o Bairro proporcionava e pelo preço baixo das casas. E para dar um toque de romantismo,ainda tinha um bondinho com mais de 100 anos, que circulava pelas suas ruas estreitas.

Naquela época, ser artista era “resistir”. Resistir a uma ditadura que não só sufocava a criatividade como tentava impor ao mercado padrões culturais estranhos a matriz Brasileira. Desta forma, o clima artístico e intelectual que se vivia em Santa Teresa, além de resistência cultural, era alternativo.

A 100 metros da minha casa havia um casarão onde vivia o pessoal do Clube da Esquina. Foi lá que conheci Milton Nascimento (me lembro da boina que ele usava…), Lô Borges e Márcio Borges, cujo filho era meu amigo de infância. Numa casa ao lado da minha, onde eu tinha aulas de artesanato, conheci Xico Chaves, Marlui Miranda e Jards Macalé. Jards Macalé me deu de presente a minha 1ª guitarra elétrica. Eu, como fã de Alice Cooper, o 1º metaleiro da história do Rock, aceitei imediatamente e fui correndo pra casa. Naquele momento eu era a criança mais feliz do Mundo! Ficava em casa tirando melodias na 1º corda da guitarra me utilizando de um pilha pequena como “slide”. Foi nesse universo lúdico, aos 10 anos de idade, que a minha carreira de músico lentamente se esboçava.
Minha criatividade musical se perdia em meio a tantas referências,e em determinado momento, estagnou. Até que meu pai um dia chegou em casa e medisse: “Se vista e venha comigo!”. Sem dizer uma palavra, me levou para um concerto de choro. Meu pai tinha uma cultura musical extraordinária e ia comentando a ação de cada instrumento durante a execução das músicas. Eu nem conseguia falar… Estava simplesmente maravilhado com aquilo tudo! Me lembro deter ido para casa completamente em silêncio, procurando encaixar toda aquela informação no meu universo musical de criança…

Foi Paulinho da Viola, na década de 70, que transformou o choro em mania nacional, ao convidar o conjunto Época de Ouro para o seu show Sarau. Época de Ouro era o conjunto de Jacob do Bandolim e onde seu pai, César Faria tocava violão. Era a revitalização de um  gênero que estava a margem da mídia.

O choro reunia todas as condições que eu precisava naquele momento para direcionar minha musicalidade e crescer como artista, e se tornaria minha referência, uma espécie de lente por onde eu contemplava outros universos musicais. Tudo isso se encaixava como uma luva ao clima de “resistência cultural” que se vivia no Bairro. O choro me fazia sentir Brasileiro, e meu velho pai, um dos “resistentes culturais” do Bairro, morria de orgulho… 
Tempos depois, na Casa Guitarra de Prata, meu pai pediu para colocar um cavaquinho, um violão e uma guitarra elétrica sobre o balcão. E me disse: “Experimente-os. Você pode levar o cavaquinho ou o violão agora, ou a guitarra elétrica daqui a dois meses…”. Me abracei ao violão e acho que até hoje estou abraçado a ele…

Para encurtar esta história, depois de uma longa trajetória como estudante de choro, resolvi me inscrever no “Concurso de conjuntos de choro” em 1981 como líder do conjunto Flor de Abacate, tocando bandolim. O grupo era formado por músicos e compositores residentes no Bairro: Renato Velasco, Toninho Café…Nos ensaios conheci outros grandes músicos também residentes no Bairro: Adamo Prince e Beto Monteiro. No repertório, dois choros de minha autoria: “Rua da Carioca” e “Seu Jaime e Seu Cecílio”. Eu tinha 16 e na minha cabeça minha carreira de músico e compositor começava ali. Foi nesta fase que tirei a carteira definitiva da Ordem dos Músicos do Brasil, como violonista, cavaquinista e bandolinista.

O meu conjunto não foi classificado mas conheci grandes músicos com quem mais tarde viria a trabalhar: Márcio e Maurício “Hulk”, Afonso Machado, Rodrigo Lessa, Marcos Suzano, Luis Louchard, dentre outros.

Depois de um longo périplo pelo mundo do choro, me bateu um certo cansaço de fazer música por “resistência cultural”, e parti para outros caminhos que me dariam uma nova perspectiva musical e de vida.

Como um bom filho, voltei a casa, e fui reencontrar o choro em Portugal. Só em Lisboa são 3 grupos de choro plenos de vitalidade. Aqui em Portugal tive a oportunidade de tocar choro com grandes músicos: Lídia Serejo, Ruca Rebordão, Múcio Sá, Anders Perander, João Fião….Li outro dia que o choro havia substituído o samba e a bossa-nova na Europa. Hoje o choro é cultivado na Espanha, Itália, França,Holanda, Dinamarca, Finlândia, não só através de grupos e artistas como através de Clubes de choro.

Salve Santa Teresa, minha linda Santa artista! Salve os queridos artistas que residiam e “resistiam” neste Bairro e que, sob o manto protetor de Santa Teresa, ajudaram a forjar minha identidade cultural.

Obrigado, meu pai, que me ensinou a ser Brasileiro e cidadão do Mundo.

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Glauco Viana