sábado, 4 de agosto de 2018

Inverno

Nasci pouco tempo depois do início de um longo Inverno.

As pessoas andavam tristes. Ninguém cantava. O sol nunca se abria e estava sempre chovendo. Muitas flores deixaram de nascer e muita gente se foi nesta chuva para nunca mais.
Depois de muito tempo de céu escuro e chuva, algumas pessoas corajosamente clamaram por sol, e se abraçavam, conversavam, riam e cantavam. Aos poucos a chuva foi deixando de fazer sentido e timidamente o sol começou a aparecer. Junto com o sol vinha a brisa. Junto com a brisa, a voz. E com a voz, o canto. Com canto, a música.

Sob o cheiro de brisa salgada e antes das nuvens se afastarem e dos filetes de luz que iriam adentrar através das frestas das janelas e dos corações, resolvi montar nas asas de um pássaro que passava e com ele fui para outras terras.
Pela primeira vez contemplei a vida acima das nuvens, das mesmas nuvens que escureciam as ruas e que não paravam de chover durante muitos anos. E da terra onde este pássaro me levou conseguia ver tempos coloridos, como o arco-íris que surgiu depois do fim da chuva. E finalmente vi o sol de frente.
Acreditei por um momento que aquele momento seria para sempre e que nada seria como antes.
Algum tempo depois, os donos da terra onde a chuva caiu durante anos a fio conspiraram em silencio pela volta das poças de água onde as pessoas cabisbaixas viam o reflexo do seu olhar triste. Tentaram convencê-las de que era mais fácil olhar para baixo do que para cima, de que o sol não existia, de que era mais bonito o som da chuva do que o som das canções que brotavam espontaneamente.

E foi desta forma que eles roubaram o sol e a chuva voltou. Com suas águas foram-se os risos, as flores e as canções. O pouco de luz que outrora aparecia timidamente agora abraçava o que restava dos olhares que se encontravam na penumbra de um céu carregado.

Tudo voltou a ser como naquele dia de Inverno em que nasci.
Ficou então a lembrança daquele momento em que, das asas do pássaro, contemplei o que o coração ansiava, e num voo aprendi que para quem sonha a chuva não molha, e que os filetes de luz são o suficiente para intuir o sol, que não tem dono e que cedo ou tarde se abrirá.

*Esta nota é uma alusão ao Inverno que mais uma vez se abateu sobre o Brasil

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Glauco Viana