sábado, 4 de agosto de 2018

Visão da Igreja da Penha

Santa Teresa é um bairro localizado no alto de uma serra entre as zonas sul e central do município do Rio de Janeiro. Foi neste bairro que nasci e me criei.
Eu morava na parte mais alta de Santa Teresa, cuja serra dividia a Zona Norte e a Zona Sul, que eram ligadas diretamente pelo túnel Rebouças. De um lado da minha rua avistavam-se os prédios e as ruas dos bairros do Cosme Velho e Laranjeiras. Do outro lado da rua, avistava-se o Maracanã, o Rio Comprido, o Catumbi, parte da ponte Rio-Niterói e outros bairros da Zona Norte. A janela da minha casa estava voltada para a Zona Norte.
Desde criança me habituei a ver no horizonte um ponto iluminado em forma de “L”. Era a Igreja de Penha, localizada no alto de um morro no bairro da Penha que era visto de lado, da perspectiva da minha janela. À noite, quando não havia neblina, sua forma e sua luz se destacavam lá no fundo da paisagem.
A história desta Igreja começa no ano de 1635, quando foi edificado no alto da grande rocha uma pequena ermida em louvor a Nossa Senhora do Rosário. Com o passar do tempo, para celebrar a sua construção sobre o penhasco, a invocação passou a ser de Nossa Senhora da Penha – culto originário do norte da Espanha e introduzido em Portugal no século XVI, que trouxe a devoção para as suas colônias. Em 8 de setembro de 1816, D. João VI oficializou a Festa de Nossa Senhora da Penha, que é considerada a maior festa popular religiosa da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Era também na Penha que ficava o “Sovaco de Cobra”, reduto de choro autêntico e espontâneo onde, na década de 70, grandes mestres do choro se reuniam para inesquecíveis rodas.
Perto desta Igreja havia o Parque Xangai, um dos parques mais tradicionais do Rio de Janeiro. Na única vez que fui a este parque, lembro-me de fitar por longos momentos, desde o pé do morro, aquela misteriosa igreja cujas luzes eu avistava de casa. Nada se parecia com o que eu sonhava da minha janela, mas ela estava ali, à minha frente.
Em 2007, visitei o Brasil depois de uma longa temporada em Portugal. Passei grande parte do tempo revendo velhos amigos e lugares. Muitos abraços adiados foram dados e dos lugares muitas lembranças vieram à tona.
As despedidas não são nada fáceis.
No aeroporto, os últimos abraços e as promessas de breve retorno. A seguir, após a decolagem do aeroporto Antônio Carlos Jobim, o avião guinou à esquerda, rumo a São Paulo, onde iria fazer escala antes de partir para Portugal. Da janela pude ver, lá embaixo, a minha igrejinha da Penha. Lá estava ela – e sua imagem ia ficando cada vez menor à medida que o avião se afastava, até desaparecer. Foi a minha última visão do Rio de Janeiro. Meu olhar levava de volta a Portugal a sua santinha, cuja Igreja foi um dia uma luzinha no horizonte da minha infância.
Copidesque: Felipe Fortuna

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Glauco Viana