sábado, 4 de agosto de 2018

O caminho das mãos vazias

Um dia eu precisei do Karatê.
O precursor do Karatê foi Bodhidharma, o fundador do Zen-budismo.
Por volta do Séc V, Bodhidharma foi convidado pelo imperador para levar seus conhecimentos à China. Desta experiência nasceu, dentre outras artes marciais, o Kempo (Karatê Chinês) que foi levado à ilha de Okinawa no Japão provavelmente por pescadores chineses, e veio a dar origem ao Okinawa-Te, culminando no Karatê-Dô. Por duas vezes houve proibição do uso de armas em Okinawa. Criou-se então uma forma de combate que utilizava o próprio corpo como arma. Daí então o surgimento da palavra Karatê-do (“Kara” Vazio – “Te” Mãos – “Do” Caminho).
Numa fase pessoal muito difícil, a necessidade imediata de auto-defesa me levou ao Karatê.
Passei por vários Senseis(1) até que por mero acaso encontrei o Mestre Naoyuki Hirakawa. Foi ele quem me ensinou o verdadeiro Karatê. Um dos primeiros ensinamentos que tive e que levaria para o resto da minha foram a não-violência, concentração e disciplina.
Tempos depois, numa fase de busca espiritual, o contato com os ensinamentos de Mestre Naoyuki Hirakawa me levaram à filosofia que deu origem ao Karatê-do, que é o Zen-budismo. Na fase em que me encontrava, o contato com a filosofia Zen mudaria tudo na minha vida. O Zen pode ser compreendido como uma experiência direta, uma forma de santificação do momento presente, do mais simples ato cotidiano, de ver e viver a vida, algo bastante diferente do imobilismo, da fatalidade, da resignação, das imagens de martírio e da certa infantilização que herdamos da cultura Judaico-Cristã. Com o estudo do Zen, passei a ver com outros olhos o Karatê-do e do quanto havia de sabedoria nesta arte marcial. A lógica que fundamenta as bases, defesas e ataques é uma maneira original de aprender sobre a aplicação de princípios físicos corretos que garantem equilíbrio do corpo dentro do centro de gravidade e eficiência ao mais simples movimento de ataque e defesa. Com a expansão do conhecimento, passei, por exemplo, a aplicar a lógica do Kata (2) no ato de tocar violão: Repetição, rigor, perfeccionismo, concentração, aproximação entre movimento e eficiência (Maior resultado pelo menor caminho) e o “não pensar”, de forma a atingir a fluidez e a naturalidade. Outro exemplo é o ritual de dobragem do Karategi (3) que deve estar sempre impecavelmente limpo. Uma forma de aplicação da filosofia Zen sobre o mais simples ato cotidiano, auferindo-lhe intensidade e excelência, atitude que transporto para o meu dia-a-dia. Em várias fases da minha vida o sentido literal da palavra Karatê se adequou perfeitamente pois me encontrava e me sentia de “mãos vazias”. A segunda vez que o Karatê-do me ajudou foi quando o levei para fora do Dojo (4). Nesta fase ele já havia se transformado em muito mais do que um meio de auto-defesa que um dia procurei. Da mesma forma que em tempos idos encontrei Mestre Naoyuki Hirakawa, também foi por mero acaso que recentemente encontrei um Sensei cuja história com o Karatê foi semelhante a minha e que é praticante do mesmo estilo de Karatê que um dia me foi transmitido: O Shotokan (5). Este Sensei gentilmente me presenteou com dois Karatê-gis e tem sido meu orientador nesta volta ao “caminho das mãos vazias”, que não tem fim. Devo muito ao Karatê-do. Dedico esta breve nota a todos os Mestres, Senseis e a todos os praticantes de artes marciais que como eu fazem do aperfeiçoamento, do estudo e da prática o seu caminho. Oss! (6) -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- (1) É o instrutor, a pessoa que dá a aula e tratá-lo dessa forma é um sinal de reconhecimento e respeito.
(2) Conjunto dos movimentos ou formas ideais de reprodução e de transmissão das técnicas de algumas artes marciais.
(3) Denominação formal para o uniforme de treinamento de Karatê.
(4) Termo emprestado do Zen-budismo. É o local onde se treinam artes marciais japonesas.
(5) Estilo de Karatê fundado por Gichin Funakoshi (Okinawa, 1868 – 1957)
(6) Expressão que significa, de uma maneira mais simples, "perseverança sob pressão". É uma palavra que por si só resume a filosofia do Karatê. Um bom praticante é aquele que cultiva o "sentido de oss", de respeito .

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Glauco Viana