sábado, 4 de agosto de 2018

A vendedora de sonhos

Vivia só numa cabana. Apesar da dureza do dia-a-dia tinha uma vida simples e feliz. De dia partia para o campo e fazia da enxada seu meio de vida. Suas mãos calejadas tiravam da terra o necessário para sua sobrevivência. À noite refletia sobre e sua vida, antepassados, referencias e valores que o sustentavam espiritualmente, sempre sob a luz do lampião. Fui numa noite que ele ouviu alguém bater a porta. Ao abri-la, a chama da lâmpada que trepidava com o vento que vinha de fora fez com que ele só visse um vulto na escuridão. Com voz doce, a pessoa que batia na porta pediu para entrar na cabana. Com a porta fechada, a chama que já não trepidava iluminou o rosto do visitante: Era uma mulher muito bonita, com longos cabelos e os olhos muito grandes e expressivos. As noites de reflexão sob a chama do lampião se tornaram noites de conversa. A mulher falava da vida, de afetos e histórias de terras longínquas. Foi numa destas noites que as mãos se tocaram pela primeira vez. Deste afeto nasceu o carinho. Do carinho nasceu o amor, e deste amor, os sonhos. E decidiram viver este momento com o que tinham nas mãos.
Numa manhã fria, a mulher partiu sem que se desse conta. E levou consigo o cesto com sonhos partilhados que estava ao lado da cama. O homem que vivia sozinho sentiu pela primeira vez o gosto da solidão e a terra pela primeira vez sentiu falta de quem sempre a acariciava com a enxada pela manhã.
À noite, a chama do mesmo lampião o fez ver claramente que afinal nunca se perde o que nunca se teve. Um cesto de sonhos partilhados roubado tem o mesmo valor do que palavras soltas a vento. Concluiu que a vendedora de sonhos saiu tão vazia como chegou, e levou um cesto cheio de nada. Foi neste momento que deixou se ser solitário para simplesmente voltar a ser sozinho. As mãos calejadas que um dia tocaram as mãos da mulher que bateu a porta voltaram a tocar na enxada, e foi desta forma que voltou a viver a sua vida simples e feliz.
Desde então ele nunca mais trancou a sua porta à noite deixando-a entreaberta. Entendeu que amor nunca bate a porta, simplesmente entra sem pedir licença.
E que os sonhos não se vendem.

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Glauco Viana