sábado, 4 de agosto de 2018

A fotografia

Foi procurando um objeto no sótão da sua casa que por mero acaso descobriu num armário uma caixa de madeira. Nela continha uma série de fotos desgastadas pelo tempo. Nesta caixa, uma foto o chamou particularmente a atenção: Era de um ente querido que há muito havia partido. A visão da imagem despertou uma vaga lembrança de palavras que outrora lhe foram ditas com muito carinho logo quando ele começou a despertar para a vida. Mas subitamente virou o rosto para o lado e voltou a se concentrar no que estava fazendo. Deixou a caixa no lugar onde estava há muito tempo e foi desta forma que a vaga lembrança se esfumaçou e se misturou com a poeira das fotos. A vida seguiu seu rumo e o tempo passou.
De volta ao sótão muitos anos depois, encontra tal caixa de madeira no mesmo lugar. Com um sopro ela afasta a poeira da caixa, abre-a e encontra as tais fotos agrupadas da mesma forma. A foto que tempos atrás lhe havia chamado atenção estava ali, agora ainda mais desgastada pelo tempo. Mas desta vez nada o desconcentrou. Aos poucos a imagem do ente querido ia se tornando mais clara à medida em que a poeira desaparecia fugindo pela fresta das telhas do sótão rumo ao céu escuro com nuvens carregadas de chuva. Segurou a foto e lentamente afastou-a de sua vista cansada de forma a conseguir vê-la com alguma nitidez. A imagem o fez ouvir as palavras sussurradas que um dia lhe foram ditas com carinho e firmeza, que na caminhada da vida foram fazendo sentido. Lembrou-se das palavras de embalar que criavam imagens e sonhos no leito de criança, das palavras de afeto que o distraiam quando havia medo, das palavras de incentivo quando havia dúvida, das palavras de cautela onde faltava o senso de medida, e do elogio e reconhecimento onde havia o mérito. E sem que se desse conta, uma lágrima lentamente desceu pelo seu rosto ao mesmo tempo que lá fora uma chuva fria se desprendia das nuvens escuras e transformava a poeira assoprada que fugia pelas frestas do telhado em um filete de água que corria por entre a pedras da calçada. A sua mão tremula devolveu à velha fotografia o mesmo calor da mão que um dia o pegou no colo, o fez adormecer, e que o amparou nos primeiros passos, e que, longe do toque, lhe apontou um caminho. E foi assim que conheceu o verdadeiro sentido da palavra gratidão. Lenta e carinhosamente pousou a fotografia e fechou a caixa de madeira deixando-a no mesmo lugar. Assim que a chuva passou se foi do sótão sem olhar pra trás, para nunca mais voltar. Compreendeu que sua vida tinha sido a projeção da imagem da velha fotografia, que afinal as palavras sempre o acompanharam e que por elas sua trajetória tinha fluido como o filete de água que não embatia mas antes acariciava as pedras do seu caminho.
E que a vida é um sopro*. * Frase de Oscar Niemeyer.

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Glauco Viana