sábado, 4 de agosto de 2018

Guinga e o braço do meu violão

Toco violão desde os 12 anos de idade. O primeiro gênero musical que me fez entrar em contato com os elementos de uma música “de verdade” foi o choro. E foi justamente um choro a minha primeira composição.

Como acompanhador de choro, empunhando violões de 6 ou de 7 cordas, a minha visão do braço do violão não passava do 5º traste. Era neste espaço que se realizava o meu universo musical. Me limitava a fazer o “molho” e suíngue característico quando tocava o violão de 6 cordas, e a fazer os desenhos melódicos e contrapontos nos bordões, quando tocava violão de 7 cordas.

Estudei muito, ouvi muitas gravações, frequentei muitas rodas de choro e de samba, comprei muitos livros, tive aulas com grandes Mestres: Claudionor Cruz, Glauco Vianna, Seu Jaime, Seu Cecílio… Me aprofundei e me empenhei tanto naquela forma de tocar violão que este fato justificou um convite para gravar a Novela Kananga do Japão acompanhando ao violão os sambas de outrora, cujas fronteiras com o maxixe ainda não estavam delimitadas.

O contato com o choro “moderno” feito pelo Galo Preto foi fundamental para que eu encontrasse um caminho de renovação dentro de um gênero musical conservador. Foi a linguagem musical do Galo Preto que me despertou para a modernidade musical Brasileira, mas ainda não era suficiente....    

Com o passar do tempo, a repetição das mesmas estruturas, o ambiente conservador, a pouca ou quase inexistente ousadia musical, a concepção musical monocórdica e obtusa, as limitações a nível de mercado e o desejo de descobrir novos horizontes musicais, me fizeram (dentre outras coisas) abandonar o violão de 7 cordas e procurar outros ambientes e outras formas de tocar violão. Havia muita vida para além do 5º traste…

Entrei para a Escola de Música da UFRJ, onde estudei composição e violão clássico. Estava decidido a me tornar um compositor “de verdade”. Em Portugal dei continuidade aos meus estudos na Escola Superior de Música de Lisboa, onde me formei em violão clássico e frequentei alguns workshops de alaúde e guitarra barroca . Aproveitei a proximidade com a Espanha para aprofundar os meus conhecimentos em violão flamenco, iniciados no Rio de Janeiro com Alberto Turina. Estas experiências implicaram distintas visões do braço do meu violão, mas ainda não era o que eu queria...

Como Compositor me centrei no violão. Era ele o meu principal veículo de expressão. O sistema tonal bi-modal há muito tempo estava saturado na minha mente e procurava outros caminhos: O bi-tonalismo, hibridismo, modalismo…

Foi em Portugal que escutei um CD que me chamou muita atenção: “Delírio Carioca”,  , que segundo um colega, o violonista David Tavares, era “O disco da década”. Há muitos anos tinha ouvido uma obra de Guinga com letra de Paulo César Pinheiro, que tinha me chamado muita atenção: “A valsa de realejo”, interpretado magistralmente por Joel Nascimento. Tempos depois ouvia a versão com letra, pela voz de Clara Nunes.

Me lembro que nesta época tinha ficado fascinado pelas soluções harmônicas e pela melodia de Guinga. Era a perfeita combinação de tradição com modernidade sem perder a Brasilidade.

O “Delírio Carioca” era a volta ao meu universo lúdico de Carioca, do qual estava afastado há muitos anos. A capa do CD (que é uma obra de Arte) foi feita por um amigo que tocava comigo no Grupo “Torresmos e moelas”: O Mello Menezes.

Comecei a estudar a fundo a obra de Guinga. Comprei todos os CDs e os dois livros com as suas partituras. Apresentei algumas de suas obras em Concertos e transcrevi duas de suas Músicas para violão: “Delírio Carioca” e “Ramo de delírios”.

O contato com a obra de Guinga me deu uma outra visão do braço do violão. Algo diferente mas que ao mesmo tempo complementava tudo que havia estudado. Além disso me indicou um outro caminho para as minhas composições para violão, do qual  o "Prelúdio da incerteza" surge como um dos frutos deste caminhar. Guinga representou para mim a volta ao violão, que foi coroado recentemente por um presente dado pela esposa de um dos meus mestres de violão, já falecido: Um violão DI GIORGIO de 1965, feito de Jacarandá (Pau santo) maciço e pinho.

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Glauco Viana