sábado, 4 de agosto de 2018

Carrapa do cavaquinho

Na Biblioteca Municipal de Santa Teresa havia um núcleo de música. Quem dirigia este núcleo era Messias dos Santos, conhecido como Mestre Messias.
Mineiro de Cataguases, Messias dos Santos era uma figura folclórica em SantaTeresa. Historiador e professor no Instituto Villa-lobos, era também violeiro, pintor e pensador da cultura negra brasileira. Foi no Instituto Villa-lobos que o conheci.

Mestre Messias tinha a utopia de criar uma escola de música que se se utilizasse de formas e tradições musicais unicamente brasileiras como principais ferramentas pedagógicas, ao contrário do ensino oficial de música, que insistia na matriz de inspiração europeia. Nesta época, o sonho de Mestre Messias era também o meu sonho, e embarcamos juntos nesta utopia. Pouco tempo depois já estava dando aulas de violão de 6 e 7 cordas no Núcleo de Música e participando ativamente nos saraus comandados por ele. Neste Núcleo conheci gente formidável, como a jornalista Márcia Romano, o violonista Nelson Vasconcelos,entre outros.

Num certo dia, apareceu por lá uma pessoa que tocava cavaquinho de uma forma a qual nunca havia visto. Era algo completamente diferente. Em grosso modo, era uma combinação de choro com heavy metal, passando pelo maracatu e frevo…
Eu, que estava habituado ao cavaquinho solista que se fazia nas rodas de choro cariocas, em que seu expoente máximo, Waldir Azevedo, era a referência, estava completamente rendido àquela abordagem do instrumento.
Ao término do sarau, em que tentei acompanhá-lo ao violão, fui conhecê-lo pessoalmente, e nos tornamos amigos pra sempre. Desde então, éramos vistos pelo Bairro sempre tocando juntos músicas de sua autoria com nomes tão curiosos como a própria forma como ele tocava cavaquinho: “Melhor chorar que não ter nada a ver”, “Siribakstaxtakiobiobiobô”, “Ninando o cavaquinho”, etc…

Esse cavaquinista era Carrapa do cavaquinho e vinha de Brasília. Dentre outras coisas, me  apresentou o trabalho do grupo do qual participava: O“Liga tripa”, cujo estilo alternativo me lembrava os“Novos Baianos”. O hino do Liga tripa era sempre tocado nestas saraus com grande adesão de público.

O meu interesse pelo que ele representava na música era tanto que pensei em fazer um estudo sobre a sua obra e trajetória musical, mas a Professora Rosana Gonçalves, também de Brasília, se adiantou e tempos depois veio apresentar em uma Universidade em Lisboa um trabalho sobre a obra de Carrapa do cavaquinho. Graças a ela o reencontrei após 24 anos, e tocamos juntos tal como tocávamos nas ruas de Santa Teresa, agora sob o olhar da velha Lisboa.

Carrapa do cavaquinho hoje é licenciado em Música pela Universidade de Brasília, professor de cavaquinho na Escola de Música de Brasília e Mestre em música pela UnB. O seu CD independente “Carrapa do Cavaquinho e Cia” foi selecionado para o Prêmio Sharp em 1998 e premiado pelo Projeto Itaú Cultural em 2001.

Parabéns, Carrapa do cavaquinho, um músico formidável que encontrei num sonho de Mestre Messias.

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Glauco Viana