sábado, 4 de agosto de 2018

A cigarra e as formigas...

Num Verão qualquer, sentada numa pedra, uma cigarra cantava melodiosamente acompanhada pelo seu violão, enquanto as formigas trabalhavam para acumular provisões em seu formigueiro, esperando pelo Inverno.
Eis que o Inverno, frio e cruel, finalmente chega! Mas ao contrário da Fábula atribuída a Esopo (1), e recontada por Jean de la Fontaine (2), a tal cigarra não bateu à porta do formigueiro, em total desamparo... No Verão seguinte, as formigas retomam a sua labuta, trabalhando mais uma vez arduamente para acumular provisões em seu formigueiro, esperando pelo Inverno... Uma formiguinha mais inteligente observou que a tal cigarra, como no Verão passado, já não estava sentada na pedra, cantando melodiosamente com seu violão. E o pior: Que sem a música da tal cigarra, o ânimo e o ritmo de trabalho das formigas havia diminuido sensivelmente, a ponto de pôr em risco a cota mínima de provisão para o Inverno que fatalmente iria chegar... Mas afinal, o que aconteceu?... A cigarra, que no passado Verão, sentada numa pedra cantava melodiosamente acompanhada pelo seu violão, tomou o cuidado de só interpretar músicas de sua autoria, e sendo ela a proprietária intelectual (3) destas obras, que eram previamente registradas de forma a preservar os “Direitos de autor”(4) e os “Direitos conexos”(5), recebia os Direitos não só pela execução de suas obras em público mas pela sua reprodução nos mais diversos meios de comunicação. Uma parte do dinheiro arrecadado com estes Direitos, a cigarra investiu em especialização: Aulas de técnica vocal, técnica de violão, harmonia funcional, e finalmente o curso superior de Musicoterapia, por e-learn, uma vez que morava na floresta, longe do centros urbanos. A tal formiguinha inteligente, incomodada com a falta de coerência desta situação com a Fábula atribuída a Esopo, e recontada por Jean de la Fontaine, com o desaparecimento da tal cigarra, com o fato dela não ter batido à porta do formigueiro em total desamparo quando começou o Inverno, e com as implicações da relação música/produtividade laboral que comprometia as provisões do Inverno que se avizinhava, foi buscar respostas no Google, no aconchego do formigueiro. E foi através deste buscador que ele descobriu que as tais músicas estavam somente disponíveis no iTunes para download, ao preço de 0,99 Euros por canção...
Não lhe restou outra alternativa senão divulgar o link para o formigueiro buscando desta forma retomar o ânimo e a produtividade do passado Verão, quando as formigas trabalhavam para acumular provisões em seu formigueiro, esperando pelo Inverno, e em que a tal cigarra, sentada numa pedra, cantava melodiosamente acompanhada pelo seu violão.... Foram dezenas de milhares de downloads! E sem a tal cigarra que outrora sentada numa pedra e que cantava melodiosamente acompanhada pelo seu violão, as formigas agora labutavam alegremente com seus iPhones, ouvindo sucessos da tal cigarra...
Com o dinheiro advindo do iTunes, a cigarra escreveu e editou um “Songbook de canções de Verão” e fez um video de “Motivação laboral pela música” (Que fazia o maior sucesso entre as formigas...), além de montar uma escola de música para jovens cigarras. Agora ela ganhava dinheiro não só dos “Direitos de autor” e “Direitos conexos” pelas cigarras cantoras que debutavam as obras do seu Songbook pelo Verão, mas como editora, diretora escolar e docente. E ainda conseguia um tempinho para dar consultas de Musicoterapia para formiguinhas stressadas e esmagadas pela rotina, falta de perspectiva e pressão laboral. Algumas ainda apresentavam sinais de agorafobia, o que comprometia o trabalho em equipe... E foi dessa forma que as formiguinhas alegremente continuaram a sua labuta pelo Verão afora, trabalhando para acumular provisões em seu formigueiro, esperando pelo Inverno, mesmo sem cigarra que outrora cantava melodiosamente acompanhada pelo seu violão, sentada numa pedra... E quando se aproximava o Inverno, a cigarra, ao contrário da Fábula atribuída a Esopo, e recontada por Jean de la Fontaine, não batia à porta do formigueiro, em total desamparo, mas antes viajava em 1ª classe para os Países do Sul onde divulgava sua obra musical, livros e vídeos. Nunca mais se sentou naquela pedra e nunca mais viu um Inverno... E foi assim que a cigarra e as formigas foram felizes para sempre! (Fica esta singela homenagem a todos os profissionais que fazem da Música o seu sustento e meio de vida.)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------- (1) Foi um escritor da Grécia Antiga a quem são atribuídas várias fábulas populares. A ele se atribui a paternidade das fábulas como gênero literário.
(2) Jean de La Fontaine (1621-1695) Foi um poeta e fabulista francês.
(3) A Propriedade Intelectual é um conjunto de direitos que abrange as criações do conhecimento humano. Divide-se, tradicionalmente, em duas grandes áreas: Direito de Autor (e Direitos Conexos) e Propriedade Industrial.
(4) É um Direito do Homem e um Direito Fundamental, que protege as obras ou criações intelectuais.
(5) Os Direitos Conexos são aqueles que protegem as prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão

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Glauco Viana